O psicólogo construtivista Paul Watzlawick, em seu livro “How Real is Real?” (Random House, Nova Iorque, 1976), nos conta a fascinante história de um cavalo chamado Hans, que vemos aqui ao lado de seu dono, Wilhem von Osten.
Em 1904, Hans deslumbrou a comunidade científica europeia depois que Von Osten, um professor de matemática aposentado, declarou que, graças à educação que recebera, o cavalo Hans era capaz de responder corretamente a questões sobre aritmética, adivinhar a hora certa, reconhecer pessoas em fotografias, entre inúmeras outras proezas cognitivas.
Como Hans respondia às questões? Simplesmente batendo com os cascos no chão. Para que questões não-matemáticas pudessem ser respondidas, von Osten ensinou o alfabeto a Hans: à letra “a” correspondia um golpe de pata contra o solo, para o “b” Hans batia duas vezes e assim por diante.
Várias pesquisas científicas foram feitas com Hans, todas com o fim de descobrir alguma fraude (muitos achavam que Hans possuía algum código secreto com seu mestre). Mas, para surpresa geral, Hans continuava dando as respostas certas, mesmo quando os testes eram realizados sem a presença de Von Osten.
Para a desgraça de Von Osten, um assistente do professor, Oskar Pfungst, realizou as experiências que provaram que Hans não sabia ler, contar ou resolver problemas. No relatório que ele publicou junto com outro alemão de nome engraçado, Carl Stumpf, ele contou o que descobriu:
“O cavalo se enganava em suas respostas cada vez que a solução dos problemas apresentados era desconhecida das pessoas presentes. Quando, por exemplo, colocávamos diante do cavalo um número escrito ou os objetos a serem contados de tal forma que somente ele pudesse vê-los, ele fracassava na tentativa de responder corretamente.”
O que guiava Hans, ao bater com o casco no chão, eram as reações das pessoas presentes. Ele era capaz de perceber com extrema competência as reações corporais inconscientes das pessoas que assistiam aos testes. Observando essas reações, ele sabia quando parar de bater com o casco no chão.
Pfungst foi capaz de controlar em si mesmo essas reações inconscientes, de tal forma que conseguia desorientar totalmente o pobre Hans. Ele conta que, queria que a resposta certa fosse dada, bastava pensar nela com intensidade para que Hans pudesse de novo “ler” suas reações não-verbais e orientar-se por elas.
Se Hans pudesse falar, nos diria, mastigando as palavras com um terrível sotaque alemão, como ele fazia para acertar as respostas:
“Orra, é zimples, eu digo parra mim: muito bom, Hans, agorra comece a bater com os patas no chão até que essa xente fique satisfeita.”
O patético desfecho da história de Hans criou um grande trauma nos meios científicos. Na época, havia dezenas de casos não só de cavalos, mas também de cachorros e até de porcos que, aparentemente, respondiam às mais diversas questões através de batidas de patas ou de latidos.
Uma das sequelas do caso de Hans foi que, nas experiências psicológicas com animais, passou-se a evitar qualquer contato entre ele e os cientistas. A incrível capacidade dos animais para decifrar as mais sutis reações dos outros passou a ser ignorada, o que não significa que eles tenham deixado de prestar atenção às pessoas que os examinam…
Nós, humanos e humanas, também somos extremamente sensíveis às reações dos outros. Todos nós, quando assumimos o papel de “alunos” e de “sujeitos de teste”, passamos a nos preocupar muito com as pessoas que assumem o papel complementar de “professor” ou “examinador”. Isso é normal, pois afinal são essas pessoas que têm a função de nos avaliar. Como Hans, nós tentamos perceber o que se espera de nós.
Essa tentativa de “adivinhar o que o outro quer” explica os resultados aparentemente absurdos obtidos em uma pesquisa realizada na França em 1980, com alunos(as) de 4a série. As crianças receberam, em sala de aula, um problema com o seguinte enunciado: “Em um navio há 26 carneiros e 10 cabras. Qual é a idade do capitão?” A grande maioria das crianças escreveu respostas como a seguinte: “26 + 10 = 36. A idade do capitão é 36 anos.”
As crianças deram respostas assim não porque eram “burras como cavalos”, mas sim porque, naquela situação específica, era isso que acharam que tinham que fazer. Elas pensaram algo que podemos descrever assim: “Não se deve, aqui, questionar a lógica do enunciado – o professor é que tem esse dever. Aqui, deve-se cumprir a obrigação de dar uma resposta.”
A partir desse raciocínio, as crianças francesas aplicaram um esquema já desenvolvido para resolver, na escola, esse tipo de problema. Podemos descrever esse esquema como uma seqüência de ações mais ou menos assim:
“Selecione, no enunciado do problema, os números; adicione-os; escreva na resposta o valor da soma. A professora ficará satisfeita com isso.”
Os alunos e alunas franceses sabiam muito bem que a pergunta não faria sentido “fora da escola”. Mas, dentro da escola, os processos de raciocínio e de bom senso não parecem se aplicar; na escola, faz-se, sem questionar, o que precisar ser feito para que o professor ou a professora fique feliz…
Tanto Hans quanto as crianças francesas estavam simplesmente fazendo o necessário para atingir um certo objetivo: agradar seus “examinadores”. Não existe nada de particularmente grave no seu comportamento, embora essas histórias sejam perturbadoras para quem se preocupa com pedagogia.
Por mais puras que sejam nossas intenções, como pedagogos preocupados apenas em educar, teremos sempre de lidar com o fato de que nossos alunos podem estar mais preocupados em nos agradar do que em realmente pensar sobre aquilo que gostaríamos que pensassem.
Em relação a cada conteúdo, vivemos de certa forma o mesmo drama do mestre zen que dizia a seu discípulo, com o braço erguido contra a noite clara: “Não olhe para meu dedo, mas para a Lua”…