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Pequeno Reino (A5)

A HISTÓRIA DO PEQUENO REINO – Texto complementar 5

A paciência de Jó dos computadores

Nesse artigo você vai encontrar trechos inteiros que podem ser vistos na DISCUSSÃO 19. Mas o tratamento da questão do potencial dos softwares educativos é feito aqui de forma um pouco mais elaborada.

Existe uma grande diferença entre a atividade de um pesquisador acadêmico e a de um professor ou de um pedagogo: enquanto pesquisadores buscam análises detalhadas e certezas comprovadas, pedagogos não podem esperar que isso aconteça, o que os interessa são idéias fortes e aplicações práticas.

Estou defendendo neste artigo, escrito mais pela ótica do pedagogo que pela do pesquisador, uma idéia que pode ser resumida assim: apesar de sua grande variedade, todos os softwares educativos têm uma característica comum, que é sua infinita paciência em relação aos erros das crianças.

A conseqüência prática é que essa é uma propriedade que pode ser explorada para melhorar processos de aprendizagem específicos e ao mesmo tempo ajudar o desenvolvimento de uma auto-imagem mais confiante e positiva em nossas crianças e jovens.

Começamos com um exemplo que ilustra esse ponto de vista. A história foi contada há alguns anos por um professor que trabalhava, em Curitiba, em uma instituição de apoio psicopedagógico a alunos(as) de escolas públicas com “dificuldades de aprendizagem”. Nela, ele relata o uso que fez de um software que todos nós considerávamos de péssima qualidade, pois se limitava a apresentar “continhas” com frações em um contexto graficamente muito pobre e que não tinha relação nenhuma com o conteúdo do jogo:

Antes de usar o software ‘x’ com os alunos, eu achava este um péssimo produto, sem nenhuma criatividade, mecânico. Mas, como ele era o único jogo de computador disponível na área de Matemática, nós o experimentamos com um grupo de alunos ‘fracos’ e repetentes de 3.ª série, muito atrasados em Matemática. Os resultados me impressionaram. Isso porque, depois de muitos erros, eles foram selecionando níveis cada vez mais simples de desafios e chegaram a exercícios que até mesmo eles conseguiam resolver. Foi muito impressionante ver sua reação quando apareceu ‘½ + ½ =?’ na tela: todos começaram a dizer, excitados, ‘1, coloca 1!’ e, quando receberam a mensagem de ‘parabéns!’, seus rostos se iluminaram. Eles adoraram a interação proporcionada pelo software, que aplaudia os acertos e não reprimia os erros. Além disso, usamos a possibilidade de cadastrar novos desafios para oferecer problemas que eles começaram a resolver (os mesmos que não queriam fazer com lápis e papel). Os resultados foram ótimos, inclusive em relação à performance na escola, principalmente porque essas crianças ganharam confiança interagindo com o software. (Relato do professor Marco Aurélio Mikosz)

Os alunos mencionados aqui eram considerados “péssimos” e já viviam com a sina de serem vistos assim, dentro e fora da escola. O que existe de quase absurdo nessa história é que foi somente com um software de qualidade medíocre que esses alunos viveram suas primeiras experiências escolares de “acertar”. É essa experiência que parece ter sido decisiva na mudança que acabou levando, até mesmo, a grandes melhoras desses alunos em seu rendimento dentro da escola.

O exemplo ilustra uma hipótese que, mesmo que apresentada aqui de forma um pouco “crua”, é fruto de bastante reflexão e algo com que muitos(as) de nós devem concordar:

A imensa maioria das dificuldades de aprendizagem não se deve a “deficiências cognitivas”, mas à falta de autoconfiança de crianças e de adolescentes que se acostumaram a ouvir e a dizer “não sei”, “não posso”. Alunos(as) que internalizam essa visão negativa acabam nem se engajando em análises específicas, pois, diante de uma dificuldade, ficam como que paralisados(as) pela autocrítica e pela convicção de sua própria incompetência.

A escola não parece capaz, na maioria dos casos, de mudar essa situação (aliás, muito pelo contrário). Mas é preciso parar de culpar os professores por isso. Quem é ou foi professor sabe que é quase impossível para quem lida com grupos de20 a30 alunos concentrar seu trabalho nos alunos “mais fracos”, pois é preciso dar aulas para “a média”, para “a maioria” que consegue acompanhar o ritmo. “Atrasados” desde o começo, muitos alunos acabam passando seus anos de escola sendo cada vez mais marginalizados.

Devido à grande paciência dos computadores, interações com softwares educativos podem ser um novo elemento para nos ajudar a tentar mudar essa situação.

Mais um exemplo: crianças de ciclo 1 que têm dificuldade para ler podem se divertir e aprender muito com softwares e desafios concebidos para crianças em idade pré-escolar. Até mesmo um jogo simples como o da “forca” adquire características novas ao ser desenvolvido para computadores e é grandemente apreciado por crianças sem confiança para jogá-lo fora do computador.

Mas por que isso acontece? Essa é uma questão interessante e que precisa ser mais explorada e discutida, mas, aparentemente, a impessoalidade e a paciência infinita dos programas de computador — mesmo que eles jamais possam ter a sensibilidade de um bom educador — fazem com que até mesmo os erros sejam vistos de forma lúdica. O fato de receber o tempo todo reações positivas, mesmo em caso de erro, de uma tela de computador faz com que essas situações não sejam vivenciadas como “punição” ou “censura”, ao contrário do que pode acontecer quando a avaliação fica a cargo de alguém de carne e osso…

Muitos especialistas criticam os softwares simples e primários, como os de nossos exemplos, e defendem o uso apenas de materiais em que haja espaço para criação, autoria e comunicação. Pessoalmente, já tive a mesma visão e continuo a favor do desenvolvimento e do uso de softwares cada vez mais sofisticados — como as novas versões do Logo ou produtos como o Cabri Geômetra. Mas também defendo a idéia de que até mesmo os softwares mais simples e elementares podem trazer resultados surpreendentes e que eles não devem ser descartados de nosso “arsenal” de recursos didáticos, principalmente porque normalmente são mais acessíveis e baratos.

Com uma boa biblioteca de softwares, uma opção, quando encontramos alunos com dificuldades em alguma área específica, é procurar atividades, nessa mesma área, que sejam dirigidas a uma faixa de idade inferior à desses alunos.

Aliás, o mesmo princípio vale para todos(as) os(as) alunos(as), e, por exemplo, uma criança que gosta muito de Matemática pode explorar produtos que oferecem desafios matemáticos para níveis de estudo cada vez mais avançados, em vez de ser obrigada — como acontece hoje em dia — a seguir o mesmo ritmo de toda a classe, vendo exercícios que já sabe resolver.

Os exemplos ilustram a idéia de que um bom acervo de softwares educativos pode nos ajudar na implementação do que atualmente chamamos de uma “pedagogia diferenciada”, pois permite diversificar as possibilidades de atividades oferecidas a alunos e alunas e proporcionar desafios mais adequados para cada um(a).

Para concluir, é importante deixar muito claro que atualmente, do ponto de vista da pesquisa acadêmica, nós simplesmente não sabemos quase nada sobre o que está sendo discutido aqui, sobre as novas e diferentes concepções de “erro” e “acerto” que se desenvolvem e sobre o que nossas crianças podem tirar de suas interações com computadores e softwares, mesmo quando estes podem ser considerados de baixa qualidade e embasados em teorias de aprendizagem ultrapassadas.

Mas “não saber quase nada”, enquanto pesquisadores, não pode ser uma desculpa para deixarmos de explorar — pragmaticamente, no dia-a-dia da escola e da família — a possibilidade de que até mesmo o uso de softwares educativos extremamente simples possa produzir resultados surpreendentes. Não podemos ter a mesma paciência que têm os computadores e aguardar as certezas acadêmicas, pois temos urgência em ensinar de forma cada vez mais diversificada e melhor.

Este artigo se encerra, assim, com um duplo convite: aos pesquisadores, para que dêem mais atenção à natureza específica das interações criança—computador e não restrinjam suas análises apenas ao uso dos softwares mais sofisticados; e aos educadores, para que levem em conta a possibilidade de que, graças à sua “paciência de Jó”, os computadores associados aos softwares educativos sejam aliados poderosos não apenas para ensinar, mas para alcançarmos um dos objetivos mais importantes e básicos da educação: ajudar cada criança a construir uma auto-imagem positiva.


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